Fernando Fernandes estreia na poesia com o livro “Escrevedor de versos”
Fernando Fernandes com exemplar de "Escrevedor de versos", de sua autoria
Finalmente, após décadas de experimentação, Fernando Fernandes resolveu estrear na poesia com o livro “Escrevedor de versos” (Editora Viseu, 2023).
Ao todo, são 40 poemas marcadamente curtos, em versos livres, numa linguagem direta, coloquial e bastante provocativa. Em vez de mandar recadinhos, o poeta diz a que veio com seu pavio curto e elétrico.
Em “Escrevedor de versos” (não subestimem o título!), poesia e prosa se aproximam formalmente, mas a mensagem poética cumpre seu papel de modo incisivo e político, sem abrir mão do lirismo e da metapoesia.
O poeta inicia o livro com “Passa o trem” e o que se lê/vê é algo ao mesmo tempo simples e cinético, diante do qual o leitor tem a impressão de que uma locomotiva a vapor – daquelas que atraíam a atenção da meninada de antigamente – acaba de passar pela página 07 deixando um rastro de fumaça: “Passa o Trem / Vai veloz / Corre tão longe / Sobre os trilhos”.
O autor finaliza o livro com “Nem Nietzsche explica”, um poema, contudo, que mais se parece com um diálogo com René Descartes – aquele do “Cogito, ergo sum” – ou mesmo com Sigmund Freud, aquele que, para o senso comum, possuía o dom de explicar tudo sob o sol:
“Eu penso / Que pensei / Um pensar pensado / Como um soletrar / Dum nome com pronúncia perfeita. / Eu não tenho convicção / Mas toda regra tem exceção. / Por isso duvido das minhas / Convicções / E acredito no achismo / Das minhas provas”.
A propósito, Nietzsche subverteu o cogito cartesiano propondo esta sentença: “Existo, logo duvido”. Por outro lado, o poeta Fernando parece ter razão ao brincar com a pronúncia difícil (um trava-língua?) de nomes próprios alemães, especialmente de filósofos como Martin Heidegger, Arthur Schopenhauer e o próprio Friedrich Nietzsche.
No miolo da obra, entre o primeiro e o último poemas, encontra-se o melhor da poesia de Fernando Fernandes. Inclusive o quase haicai “Dia de pagamento” que, pelo impacto causado na luta de classes, já vale um décimo-terceiro salário por antecipação: “É o sonho do trabalhador / É a esperança do beberrão / É a ironia do patrão”.
Vai encontrar também a melhor descrição da casa do poeta – nada a ver com a casa muito engraçada do Vinicius de Moraes: “Na casinha do poeta / Você vai encontrar / Um fuzil empoeirado / Pela saudade do tempo / Nalgum canto da pequena sala...”
Pessoalmente senti falta de alguma referência à pandemia da Covid-19 e, também, de um cruzado bem colocado no baixo-ventre do vírus e do verme, mesmo que metaforicamente, se vocês em compreendem.
Para quem não sabe, FF é natural de Itapebi (“água de pedra achatada”, em bom tupi), mudou-se para Teixeira de Freitas há tempos e, atualmente, reside em Medeiros Neto, ambas cidades banhadas pelo Rio Itanhém (“bacia de pedra”, na língua geral do Brasil). Mas as três cidades são genuinamente baianas. Por sua participação na 7ª edição do Prêmio Castro Alves de Literatura, levou uma belíssima menção honrosa. E na sessão final de 2023 da Academia Teixeirense de Letras será homenageado com uma moção de honra ao mérito por este “Escrevedor de versos”.
Fato é que, faça chuva ou sol, Fernando segue de mãos dadas com Emanuelle (assim ele define sua poesia), obcecado pelo Fluminense Football Club e feliz da vida com a volta da Esquerda ao poder. Não é pouca coisa, concordam comigo?