Ecos da Independência do Brasil na Bahia presentes na poesia de Castro Alves
Quando a Independência do Brasil foi, finalmente, sacramentada no famoso 2 de julho de 1823, na Bahia, com a expulsão do Exército Português remanescente pelas forças nacionais de resistência (Exército Pacificador), o poeta Antônio Frederico de Castro Alves ainda não havia nascido. Ele viria ao mundo somente em 14 de março de 1847, portanto 24 anos após a Batalha de Pirajá.
Mesmo assim, aquele que ficaria conhecido como o “Poeta dos Escravos” teve participação indireta no processo de independência através do seu avô materno, José Antônio da Silva Castro, que organizou o “Batalhão dos Periquitos” em Cachoeira, para participar da resistência ao jugo português. Maria Quitéria – inscrita como Soldado Medeiros para participar da resistência armada – faria história como a primeira mulher a ingressar nas Forças Armadas do país.
Pois bem, o comandante “Periquitão” teve papel relevante na vitória dos baianos contra os portugueses naquele momento conturbado em que, de um lado, a metrópole não queria abrir mão do poderio ultramarino e, do outro lado, a colônia ansiava pelo fim do domínio português. Daí, os eventos contestatórios que culminaram na aclamação do príncipe regente com o título de “Imperador Perpétuo” em Cachoeira.
Além do avô do poeta, outras tantas personagens e seus feitos incríveis ficariam conhecidas no futuro. Entre os aclamados heróis da independência estão, por exemplo, o general francês Pedro Labatut, Maria Quitéria, Joana Angélica, o corneteiro Luís Lopes e Maria Felipa (a qual, mais recentemente, teve sua participação reconhecida e resgatada pela oralidade).
Convém ressaltar que o movimento de independência precisava da participação espontânea e voluntária da população. Até porque o simbólico “Grito do Ipiranga”, dado pelo príncipe regente, ecoou apenas no eixo Rio/São Paulo, de maneira que o apoio popular se fazia necessário e inadiável, para fazer frente às forças lusitanas contrárias à Independência do Brasil na Bahia, em especial, e no Nordeste, em geral.
Na Bahia – especialmente no Recôncavo Baiano, em cidades como Cachoeira, Santo Amaro, São Francisco do Conde, a Ilha de Itaparica e, também, a capital Salvador –, a participação popular foi intensa e decisiva. Essa resistência amadora, militarmente falando, envolveu desde comerciantes, negros, indígenas e cidadãos comuns arregimentados para se juntar às frentes populares contra Madeira de Melo e seus soldados. O cerco marítimo à capital da província teve a adesão, portanto, de militares e cidadãos.
Os ecos desses acontecimentos – seu caráter heroico, revolucionário e abnegado – iriam aparecer na poesia condoreira, social e política de Castro Alves. Na “Ode ao 2 de Julho”, o poeta celebra a vitória dos baianos contra a tirania portuguesa, canta o êxito da liberdade sobre a opressão e, com tintas fortes e muita inspiração, descreve o campo de batalhas. Algo, aliás, que já havia aparecido no “Hino ao 2 de Julho”, letra de Ladislau dos Santos Titara e melodia de José dos Santos Barreto. (Apenas em 2010, por força da Lei Estadual 11.901, o poema foi oficializado como hino do Estado da Bahia.)
Pois bem, além da “Ode ao 2 de Julho”, Castro Alves também dedicou à grande conquista cívica “Ao Dous de Julho”, ambos os poemas declamados publicamente por ele e, depois, incorporados ao livro “Espumas Flutuantes” (1870).
Mas nos atenhamos à ode em questão, escrita em 1868, com forte apelo retórico e envolvimento emocional, até porque se trata de uma composição propícia à declamação pública. Para atingir, diga-se de passagem, mais o coração do que a razão do público.
O texto – composto por seis estrofes cada qual com oito versos (oitavas) com dez sílabas métricas (decassílabos) e com rimas misturadas (inclusive ocorrência de dois versos sem rima) – se apresenta repleto de intenções sociais e libertárias. Castro Alves, ao denunciar o tráfico negreiro e anunciar o sonho republicano, dá início à transição entre romantismo e realismo.
Na “Ode ao 2 de Julho”, com efeito, estão presentes algumas das características que marcaram a poética condoreira: o imagético associado às cenas épicas – positivas e/ou negativas –, as figuras de linguagem – metáforas, antíteses e alegorias –, bem como o uso das referências históricas, culturais e mitológicas.
O poeta apresenta a batalha entre brasileiros e portugueses, sob o olhar compassivo do arcanjo que, em vez de intervir na “pugna”, providencia os mantos para os mortos. Um combate terrível em que estão em jogo, mais do que vidas, porvir versus passado, liberdade vs. escravidão, águia vs. abutre, trevas vs. luzes, razão vs. loucura.
Ao fim e ao cabo – porque nenhuma guerra dura para sempre (a dos Cem Anos teve seu desfecho) –, a Liberdade peregrina e noiva do Sol surge ao amanhecer como grande vencedora e, portanto, digna das honrarias e homenagens. Ainda que tardia(mente).
O poeta Castro Alves, autor da "Ode ao 2 de Julho"
Quem – senão o Poeta dos Escravos – poderia cantar em versos grandiloquentes e providenciais a Liberdade, conquistada pela coletividade? Quem – senão o Poeta Condoreiro – poderia se dar ao luxo de celebrar o Dois de Julho de maneira tão arrebatadora?
Resposta: o poeta maior da Bahia, patrono-geral da ATL e bardo incomparável entre nossos épicos e líricos. Salve, Castro Alves! Àquele a quem o povo baiano dedicou, merecida e duplamente em 1923, um monumento e nome de praça. Já os baianos receberam seu Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) do então governador J. J. Seabra. Porque um centenário é para sempre.
Que este bicentenário da independência, celebrado em 2023, inspire o Brasil a seguir no caminho da igualdade social, da paz e da liberdade. Que o caboclo – herói de carne, osso e civismo – continue nos representando agora e doravante. Apenas este é maior que o poeta!